11 dezembro 2007

Antônio Frederico de Castro Alves (1847 - 1871)





















"Morrer — é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nos guia na tormenta:
Condenado — escutar dobres de sino,
— Voz da morte, que a morte lhe lamenta

—Ai! morrer — é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher — no visco

Da larva errante no sepulcro fundo.


Ver tudo findo... só na lousa um nome,
Que o viandante a perpassar consome.

(...)

Adeus! arrasta-me uma voz sombria
Já me foge a razão na noite fria! ..."

Mocidade e Morte


"Quando eu morrer... não lancem meu cadáver
No fosso de um sombrio cemitério...
Odeio o mausoléu que espera o morto

Como o viajante desse hotel funéreo".

Quando eu morrer
São Paulo, março de 1869

03 dezembro 2007

O Navio Negreiro

" 'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dois é o céu? Qual o oceano?...

Esperai! Esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia...
Orquestra — é o mar que ruge pela proa,
E o vento que nas cordas assobia...

2a.

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?...
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!

Cantai! que a noite é divina!
(...)

4a.

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...


5a.

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...

Ó mar! por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...

Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

6a.

E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa

Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,

Que impudente na gávea tripudia?!...
Silêncio!... Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto... "


(...)

versos

"Deus do infeliz, do mísero!
Consolação do aflito!
Descanso do precito,
Que sonha a vida em ti!
Quando a cidade tétrica
De angústia e dor não geme...
É tua mão que espreme
A dormideira ali".

Hino ao sono - São Paulo, 12 de julho de 1868

"Tenho saudades de meus dias idos
— Pét'las perdidas em fatal paul —
Pét'las, que outrora desfolhamos juntos,
Morenas filhas do país do sul!"

Versos de um viajante - Em caminho, Fevereiro de 1870

"Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio".

Boa noite

"Era uma tarde triste, mas límpida e suave...
Eu — pálido poeta — seguia triste e grave
A estrada, que conduz ao campo solitário,
Como um filho, que volta ao paternal sacrário,"
(...)

A Boa Vista - Boa Vista, 18 de novembro de 1867

"Morrer de frio quando o peito é brasa...
Quando a paixão no coração se aninha!?...
Vós todos, todos, que dormis em casa,
Dizei se há dor, que se compare à minha!...

(...)

E tu fugiste, pressentindo o inverno.
Mensal inverno do viver boêmio...
Sem te lembrar que por um riso terno
Mesmo eu tomara a primavera a prêmio...

(...)

Batem!... que vejo! Ei-la afinal comigo...
Foram-se as trevas... fabricou-se a luz...
Nini! pequei... dá me exemplar castigo!
Sejam teus braços... do martírio a cruz!... "

Canção do Boêmio - São Paulo, junho de 1868

"Noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.

(...)

Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! - tu és a virgem das campinas!
"Virgem! - tu és a flor da minha vida!..." ".

Adormecida

"Onde vais, estrangeiro! Por que deixas
O solitário albergue do deserto?
O que buscas além dos horizontes?
Por que transpor o píncaro dos montes,
Quando podes achar o amor tão perto? ...

(...)

No entanto Ele partiu!... Seu vulto ao longe
Escondeu-se onde a vista não alcança......
Mas não penseis que o triste forasteiro
Foi procurar nos lares do estrangeiro
O fantasma sequer de uma esperança! ...

O Hóspede

02 dezembro 2007

Fuga

Amanheci,
pois a noite tardou
em acabar.

Adormeci em teus braços
para vingar
àquela paixão que sinto
pelo outro.
Em vão.

Fingi te amar
loucamente
em cada suspiro
cada olhar.
Anoiteci,
mas era tarde
e o sol tornou a brilhar.

01 dezembro 2007

O gondoleiro do amor


"Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar...
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;

Sobre o barco dos amores,

Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
Do Gondoleiro do amor.

Tua voz é cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento.

E como em noites de Itália

Ama um canto o pescador,

Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.

Teu sorriso é uma aurora
Que o horizonte enrubesceu,

— Rosa aberta com o biquinho

Das aves rubras do céu;

Nas tempestades da vida
Das rajadas no furor,
Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.

Teu seio é vaga dourada

Ao tíbio clarão da lua,

Que, ao murmúrio das volúpias,

Arqueja, palpita nua:

Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no languor
Vogar, naufragar, perder-se

O Gondoleiro do amor!?


Teu amor na treva é — um astro,

No silêncio uma canção,

É brisa — nas calmarias,
É abrigo — no tufão;


Por isso eu te amo, querida,
Quer no prazer, quer na dor...
Rosa! Canto! Sombra! Estrela!
Do Gondoleiro do amor".